terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Angola – Os Palancas Negras


Veja também os posts "Angola - A água do Bengo" e "Angola – Laços históricos que desconhecemos".



A minha primeira surpresa na minha primeira viagem a Angola foi com a orientação recebida: chegar para o check-in no Galeão com, PELO MENOS, três horas de antecedência! Achei exagero, mas obedeci fielmente. O que vi ao chegar foi algo de estarrecer! Mesmo com três horas de antecedência, às cinco da matina, a fila só era menor que a da Arca de Noé. E os passageiros (e tripulantes) não levavam bagagem, levavam verdadeiras mudanças. Era tanta muamba que cada mala mais parecia um armário!

Vocês se lembram daquela época em que a gente muambava em Miami e cada um de nós voltava com cinco malas enormes? Pois bem, o Rio está para os angolanos assim como Miami esteve um dia para nós brasileiros.

Luanda ao entardecer

Se os atendentes do check-in estavam tendo um baita trabalho, trabalho muito mais intenso e detalhado estava sendo feito, nos bastidores, pela Polícia Federal. Infelizmente Luanda faz parte da rota do tráfico internacional de drogas e cada mala, assim como os passageiros, são revistados minuciosamente. E como estatística não falha, minha segunda viagem para Angola atrasou três horas por conta de um passageiro que foi pego carregando cocaína. Tá duvidando? Então dê uma olhadinha nessa notícia!

É grande o tráfico de drogas para Angola

Já em Luanda, me surpreendi com a grande quantidade de aviões cargueiros Ilyushin, de fabricação soviética, no aeroporto. Tentei tirar uma inocente foto e quase fui preso. Herança dos tempos de guerra civil, tirar foto do aeroporto era terminantemente proibido, um verdadeiro segredo de estado. 

Ilyushin iguais a esse tinha mais de dúzia no aeroporto de Luanda

Assim como descobri que também era proibido tirar fotos do palácio presidencial. Bem, me pareceu tolice, mas eles deviam ter lá suas razões.

Palácio presidencial

Surpreendi-me com a quantidade de BMWs, Audis e caminhonetas Pajeros zerinhos que circulavam pelas ruas de Luanda. Creio piamente que esses carros devem ser vendidos por lá a preço de banana em fim de feira. Só pode ser, pois eu ganho bem mais que um coronel angolano e não tenho bala na agulha pra ter carro importado zero. E eles têm dois na garagem. Quanto eles recebem por mês? Não sei hoje, mas naquela época não passava de míseros 300 dólares por mês. A menos que... sei lá, entende (se não “captou” a mensagem, aperte a tecla SAP para perceber o sorriso de ironia)!

O "maravilhoso" tráfego urbano de Luanda

Surpreendi-me também com o preparo de muitos profissionais angolanos. Muitos deles tinham mestrado e doutorado na antiga União Soviética, em Cuba ou na Alemanha Oriental. Mas se os altos dirigentes eram bem preparados, havia uma abissal diferença do resto dos trabalhadores. Inexistia o nível intermediário entre o topo e a base da pirâmide. Também pudera, o salário de um engenheiro de telecomunicações pago pelo governo era de cerca de 50 dólares mensais. Ganharia mais como motorista de embaixada ou de uma multinacional.

AIDS? Ah, meu caro, a imprensa internacional está fazendo muito alarde a troco de nada! Se eu me previno usando camisinha nas minhas relações? Besteira!

É pequena a conscientização da proteção contra a AIDS em Angola

Ficou chocado? Pois é, eu também fiquei chocado ao ouvir isso de um angolano. E não era um zé-ninguém, mas um diretor de uma empresa estatal. Pode até ser que essa mentalidade tenha mudado com o tempo, mas a desinformação e o pouco cuidado do angolano com a prevenção da AIDS era simplesmente apavorante! As cifras oficiais falavam que 5,5% da população estariam infectados, mas a realidade cruel apontava, pelo menos, para o quádruplo desses números.

Foi em Luanda que vi um baobá pela primeira vez. É uma árvore intrigante que instigou a minha imaginação quando li o “Pequeno Príncipe” em minha adolescência. Mais parece uma árvore de ponta cabeça, com raízes no lugar da copa, que é diminuta em relação ao seu tronco, mais parecendo um baixinho gorducho e atarracado. Deu pra imaginar? Não? Pois é, só vendo para crer!

Um baobá

Foi em Luanda também onde, pela primeira vez, vi o mapa da mina. Bem, melhor seria dizer o mapa das minas. Eram tantos pontos vermelhos de todas as dimensões que quase não se via o branco da cor original que representava o país no mapa. Bom seria se Angola estivesse coalhada de minérios e que aquele fosse realmente o mapa da mina, o mapa que indicava cada ponto de extração de minério no país. Infelizmente cada ponto daqueles representava a indicação da existência de minas terrestres espalhadas, tanto pelo governo como pela UNITA, por todo o território angolano durante décadas de conflito. O resultado foi uma multidão de inocentes mutilados e a fauna nativa dizimada. O mapa também era um indicativo do imenso trabalho da ONU no desarme de cada uma dessas milhões de minas, que ainda farão vítimas inocentes por um longo tempo. O pior é que hoje ainda existem mais de 15 milhões de minas terrestres ainda ativas em Angola!

15 milhões de minas terrestres ainda estão ativas em Angola

Futebol é uma paixão nacional em Angola e os campos de pelada se multiplicam nos terrenos baldios das favelas que circundam Luanda. Em cada campinho tem sempre um bando de crianças correndo atrás de uma bola. Se o futebol é uma paixão nacional em Angola, os brasileiros são seus ídolos maiores: Pelé, Garrincha, Ronaldo, Ronaldinho, Kaká... O olho do angolano brilha intensamente quando ele fala de futebol e, principalmente, do futebol brasileiro. Somos pentacampeões, mas espere um pouquinho só! Assim que eles tiverem um pouco mais de experiência internacional ninguém vencerá os Palancas Negras, apelido do selecionado nacional.

– Ninguém vencerá... nem o Brasil!

Pelada de rua nos subúrbios de Luanda

Bem, o tempo dirá se estão certos!


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